quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Pela médica Luiza Guimarães


"Bom dia CFM, CRM, doutores
Eu sou medica de família e comunidade e trabalho numa UBS.
Aqui a gente tem um jeito de trabalhar diferente, verdadeiramente em equipe. Talvez vocês não saibam, pois não tiveram o privilégio de viver essa experiência, já que muitos estão fechados em seus consultórios ou vivem de fazer reuniões atrás de reuniões para decidirem coisas sobre as quais não sabem a respeito.
Mas no auge de minha generosidade, vou explicar.
No posto de saúde a gente atende tudo. Aqui no jardim dabril fazemos uma coisa que chama acesso avançado: as pessoas marcam consulta pro mesmo dia e são atendidas em caso de urgencia mesmo se não houver vaga. Basicamente, todo mundo que precisa é atendido. Já pensou um mundo desse? Pois ele existe. Médicos e enfermeiros abrem suas agendas e atendem muitas pessoas: hipertensão, insuficiência cardiaca, tuberculose, diarréia, resfriado, diabetes, gastrite, infarto, pre natal. Outra coisa que acontece aqui que é uma raridade linda é o atendimento de casos agudos. Chegou com dor de cabeça? Vai ser atendido, não precisa ir ao pronto socorro, você pode ser atendido pelo médico e enfermeiro que te conhecem e sabem seu histórico de saúde e diminui sua chance de pegar horas de fila num hospital e sair de lá com outra doença. Primeiro mundo, né? Eu sei, também acho e me orgulho disso, me traz satisfação e me faz acreditar que é possível ter saúde de qualidade apesar de não ser do interesse dos nossos representantes.
Mas vou contar um segredo pra vocês: esse trabalho só é possível porque os enfermeiros na nossa equipe não são meros tarefeiros obedientes, eles fazem atendimentos, diagnósticos e prescrevem tratamentos. Eu sei que o senhor presidente do crm do espírito santo acha que consulta de enfermagem não precisa dessas habilidades, mas talvez ele nao saiba que um enfermeiro pode fazer um diagnóstico de resfriado e prescrever analgésicos. A gente faz uma outra coisa linda que é a interconsulta, ou seja, quando há suspeita de algo mais grave (uma pneumonia por exemplo) -e, pasmem! - nossos enfermeiros sabem identificar os sinais de alarme, um médico é chamado e avalia o paciente (sim, ele para seus atendimentos, vai ate a outra sala e faz uma consulta). Isso acontecia lindamente e com uma resolutividade alta (sabem o que é resolutividade?), já que nossa ubs encaminha em media 5% dos atendimentos somente (isso é muito mais baixo do que se espera de uma equipe dessa, mas é que somos bons mesmo).
Mas recentemente disseram que nossos enfermeiros não podem fazer diagnóstico e têm a cara de pau de dizer que a consulta de enfermagem continua importante. Gostaria de saber, senhores, que tipo de consulta termina sem diagnóstico? E sem uma conduta? Podem me dizer?
Agora me digam como vou continuar atendendo sozinha uma equipe de 4 mil pessoas enquanto minha enfermeira não pode fazer o que ela fazia? Esses dias vieram me pedir pra prescrever um curativo (porque enfermeiros não podem prescrever mais nada - nem as coisas que fazem melhor que a gente) e eu não sabia (NÃO SABIA). O que eu faço, doutores das reuniões? Preciso da ajuda de vocês pra poder continuar atuando na atenção primária do sus (que salva a vida das pessoas, principalmente das mais pobres) e talvez nós médicos, isolados em nossa onipotência, não consigamos sozinhos."

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